O seu computador não deveria estar razoavelmente bem informado sobre aquilo de que você gosta e não gosta? Não seria ótimo se ele fosse capaz de antecipar suas necessidades e agisse sem que você precisasse apertar qualquer tecla?
Reservas de viagens e em restaurantes, reorganização de agendas para reuniões ou até fazer uma primeira seleção das mensagens de e-mails recebidas estão entre as tarefas relativamente simples que se mantiveram além do alcance de nossos computadores durante décadas.
Mas agora uma nova geração de tecnologias de Internet, acopladas a investimentos da ordem de mais de US$ 300 bilhões, pode enfim estar reportando progressos significativos nessa área de atuação.
O conceito de um software que sirva como assistente pessoal capturou a imaginação de toda uma geração de escritores de ficção científica e cientistas da computação. Oliver Selfridge, o pioneiro da inteligência artificial que morreu este mês, por exemplo, criou o termo “agente inteligente” e o conceito de um “demônio” em forma de software de computador – um programa simples que seria capaz de monitorar o ambiente que cerca a máquina e tomar medidas apropriadas quando mudanças acontecerem.
Com a chegada da computação pessoal, nos anos 80, a idéia tomou a forma de declarações “visionárias” feitas de maneira coordenada por muitas das empresas do Vale do Silício. A mais memorável delas foi um vídeo sobre o “Navegador de Conhecimento”, no qual John Sculley, então presidente-executivo da Apple, mostrava um assistente interativo em uma tela de vídeo. O assistente, usando uma gravata borboleta, executa trabalhos de pesquisa para o professor universitário com quem trabalha, e insiste em que ele não se esqueça de responder ao telefonema de sua mãe.
Mas os esforços de produzir assistentes computadorizados eficientes terminaram consistentemente em fracassos, entre os quais algumas das maiores “crateras” da história do Vale do Silício, envolvendo empreitadas ambiciosas seguidas por quedas catastróficas. Entre esses fracassos estão o projeto General Magic, uma das concepções originais de Sculley; o E-speak, da Hewlett-Packard; e o Hailstorm, da Microsoft.
Mas um projeto de pesquisa comandado pelo Departamento da Defesa dos Estados Unidos e duas empresas iniciantes do Vale do Silício estão a ponto de tentar de novo.
A SRI International, grupo de pesquisa sediado em Menlo Park, Califórnia, está perto do final de um projeto de alguns anos de duração chamado CALO, um acrônimo em inglês para “assistente cognitivo que aprende e organiza”. O CALO é financiado pela Agência de Pesquisa de Projetos Avançados da Defesa (Darpa), no Pentágono, e representa um dos maiores projetos de inteligência artificial já empreendidos. Algumas demonstrações públicas quanto aos resultados foram realizadas, mas o CALO vem sendo desenvolvido de forma sigilosa, nos últimos anos, porque seu uso planejado é militar.
Já existe uma discreta derivação comercial desse projeto. A Siri, uma empresa sediada em San Jose, Califórnia, planeja lançar um serviço de assistência pessoal no primeiro semestre de 2009. Ainda operando em modo “camuflado”, com uma pequena versão de teste fechada do serviço, a Siri conseguiu levantar US$ 8,5 milhões junto a duas empresas de capital para empreendimentos.
“Estamos explorando os métodos desenvolvidos no programa CALO e aplicando-os a produtos dirigidos ao consumidor”, disse Adam Cheyer, fundador e vice-presidente de engenharia da Siri. Ele diz que espera que a idéia de um assistente pessoal ganhe ímpeto no ano que vem, e que acredita que outros concorrentes se unirão à sua empresa na disputa por esse mercado.
Um caminho diferente foi adotado pelo empresário Patrick Grady. Ele montou uma equipe de tecnologia na Rearden Commerce que já começou a expandir seus contatos junto a clientes empresariais, e oferece a eles um assistente pessoal “inteligente” especializado em tarefas relacionadas viagens e entretenimento. O serviço estará disponível a partir do ano que vem também para usuários pessoais.
A Rearden Commerce está entre as empresas do Vale do Silício que vêm obtendo os mais significativos investimentos do setor de capital para empreendimentos, mas continua relativamente desconhecida. Fundada em 1999, pouco antes do colapso do mercado das ações de Internet, a Rearden anunciou em abril deste ano que havia levantado mais US$ 100 milhões em capital recentemente, o que eleva seu total a quase US$ 200 milhões em perto de uma década de operação. A operadora de cartões de crédito American Express e o banco JPMorgan Chase detém cada qual 10% de participação.
Por que Grady e Cheyer podem terminar obtendo sucesso em um campo de atuação no qual todos os empresários que os precederam continuam caídos com as costas crivadas de flechas? O momento é propício, para começar.
A promessa da era da Web 2.0 vem sendo a interconexão dos serviços de Internet. Grady diz que essa tarefa se tornou muito mais fácil hoje em dia porque uma boa parte do trabalho braçal mais pesado já foi realizado por outros.
“Estamos falando do tecido de conexão que fica no topo da web e traz ao usuário mais que a soma de suas partes”, ele disse. “Meu objetivo foi oferecer aos usuários o santo graal da computação pessoal, já há muito tempo: um assistente pessoal na Internet”.
Ele promete reunir todos os serviços online necessários a viagens pessoais e de negócios que hoje operam em separado – para começar, agências de viagens, estacionamento em aeroportos, serviços de transporte nas cidades, reservas em restaurantes, ingressos para espetáculos, entrega de pacotes de videoconferências.
Imagine que você esteja em meio a uma viagem de negócios e seu computador descubra que o vôo que você precisa pegar se atrasará. O assistente virtual imediatamente mudaria o horário de seu jantar em Nova York, informaria as três pessoas com quem você jantará sobre a alteração e informaria a você que eles foram notificados.
O serviço da Rearden Commerce já está em uso por 2,5 mil clientes empresariais da American Express, e eles o oferecem a seus 1,6 milhão de trabalhadores. O Chase planeja começar a oferecer o serviço aos portadores de seus cartões de crédito a partir do começo do ano que vem. Um dos primeiros clientes da Rearden foi a GlaxoSmithKline, uma companhia do setor farmacêutico. A empresa colocou o serviço à disposição de mais de 50 mil usuários nos Estados Unidos e no Reino Unido, e ele ajuda a planejar entre três mil e quatro mil viagens semanais.
“Pensamos no serviço como um assistente pessoal executivo”, diz Gregg Brandyberry, vice-presidente da empresa, que usa o serviço para receber notificações em seu BlackBerry sobre alterações em sua agenda, enquanto ele está em viagem.
Thomas Gravey, pesquisador de inteligência artificial da SRI, diz que o programa CALO estabeleceu por um importante marco na semana passada, quando foi utilizado em um teste de um novo sistema de comando e controle do exército dos Estados Unidos em Fort Leavenworth, Kansas, na semana passada. O sistema CALO observa os usuários usando sistemas de computação e em seguida automatiza as tarefas de rotina, ele disse. Com o trabalho braçal entregue ao CALO, diz Gravey, os oficiais do exército podem se concentrar em questões mais importantes.
Será que Grady, o programa CALO ou a Siri conseguiram enfim decifrar o código, na longa busca por um assistente pessoal em forma de software? Os usuários comuns de computadores terão a oportunidade de descobrir por si mesmos em breve.
The New York Times
John Markoff
17/12/08